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Levain e o bolo da fortuna

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Um sábado desses por aí, mais precisamente em 03/12/11, acordei com um saudosismo culinário de uma receita antiiiiga, chamada de “Bolo da Fortuna”.


Procura daqui, procura de lá, achei algumas poucas versões convincentes na internet, mas somente uma delas, aparentemente, me solucionava um problema: O fermento inicial...

Para quem nunca ouviu falar, a receita do bolo da fortuna faz parte de uma corrente igual a essas que recebemos como spams pela internet, mas de uma forma muito mais antiga e saborosa. O bolo da fortuna ou, bolo do Padre Pio tem séculos de existência e dizem que todos os fermentos tem inicio num pedaço de bolo amassado do padre Pio (por que ele amassou o bolo, não sei). Então a idéia da “corrente” era ir alimentando e compartilhando esse fermento com as pessoas as quais você deseja boa sorte e com a parte designada a você, era feito um bolo ao longo de 3 dias (isso na receita perdida da minha mãe). Na receita encontrada na internet, o bolo era feito ao longo de 10 dias (!!!) mais o tempo da fermentação natural... Como inicialmente foi o que eu encontrei, comecei conforme indicava a receita...

(a receita original achei em vários sites portugueses, depois, traduzida neste site: http://www.receitaculo.com/receitas/20740/ )

Parte 1 (para quem não tem o fermento inicial):
- 1/2 copo de farinha
- 1/2 copo de água
- 1 colher de sopa de açúcar

Ok.... e???
Eu sabia que fermentação natural, ou levain, ou chef, demora alguns dias para acontecer, mas... e quando não acontece?

Vale dizer que foram semanas de um calor dos infernos e eu até achei que tinha visto algumas bolhas surgirem nessa primeira mistura. Como tive essa percepção, dei sequencia na receita que vocês podem checar no site citado acima.
No quinto dia da receita seguida a risca eu já estava notando que aquilo nao ia dar em nada... eu lembrava muito bem que o bolo que minha mãe fazia era muito mais rápido (em dias) e crescia numa velocidade assustadora.

Ela, acompanhando minha saga, revirou os cadernos de receita (sim, isso ainda existe!) e finalmente, achamos, uma pagina datilografada com a receita (colocarei mais para frente). Foi então que resolvi “roubar” e fazer um mix da receita do site com a receita do caderno... Uma mistureba só, mais dois dias e nem sinal de vida na minha massa... Decepção...



Obvio que quando o bolo do padre Pio apareceu em casa, em tempos de geladeira e freezer de cor marrom, eu nem sonhava o que era aquela massa que crescia como mágica, mas, eu já adorava seu cheiro azedo e me deliciava cutucando a mistura com uma colher.

Chegou um certo momento que minha mãe cansou da “fortuna” e desencanou de alimentar o fermento, também pudera, era mais ou menos 1 ou 2 bolos por semana, alem de ter que dividir a parte excedente com amigas, que claro, dividiam a parte delas de volta com você, num ciclo sem fim...

Enterrou-se a receita, por anos... até meu nariz se deparar com o mesmo cheiro azedo do fermento em algum lugar... Nossa memória olfativa é inacreditável! Tentei fazer o bolo partindo de uma esponja feita a base de fermento biológico (neste momento, já imaginava como era a base do bolo e tinha conhecimento gastronomico p/ tal). Deu certo, rendeu alguns poucos frutos, mas o bolo.... não era o mesmo sabor que estava guardado na memória, sabe?!

Mais uns três anos, neste Dezembro de 2011, naquele sabado que iniciei o post, volta a historia do bolo... Agora com mais conhecimento, teórico, sobre a fermentação natural... Como começar?!

Como disse, achei aquela receita base acima... Agora: jogue fora!

Uma semana, um quilo de massa guardada na cozinha e nada de bolhas... Pesquisa!
Santa internet, me direcionou a dois blogs ótimos, onde cada um a seu modo inicia e cria seu levain:

http://rogerioshimura.wordpress.com/category/fermento-natural-levain/

http://blogs.estadao.com.br/luiz-americo-camargo/2010/03/page/3/

Iniciei ao modo “Luiz Américo Camargo”, apenas farinha integral e água... nada. Intrigante, quase 3 dias e mais uma vez, nenhuma bolha e olha que o calor estava de derreter qualquer ser vivo na sombra!

Estou falando tanto do clima, porque ele é importante... quanto mais quente (não fervendo) melhor para o desenvolvimento dos nossos almejados funguinhos, vindos das leveduras selvagens, que se encontram em todo e qualquer ambiente... Já começava a achar que minha casa era um local totalmente estéril!

Mais pesquisa e me deparei com Rogerio Shimura.
Vou falar, achei um mais didático, outro mais romântico, por assim dizer, mas, como leiga e iniciante na aventura do levain, senti falta de informação nos blogs... um ia completando o outro, li e reli e pesquisei mais e cheguei ao meu levain, que agora, finalmente, ensino para vocês (tentando expor minhas duvidas e minhas conclusões).

Etapa 01:
- 50gr de uvas passas
- 200ml de água potável (claro)
- um recipiente qualquer, de preferência transparente, um cantinho calmo e fresco da cozinha.

Misturar a água e as uvas e deixar num cantinho. Só isso... As primeiras bolhas começaram a aparecer 48hr depois da mistura, aguardei que elas tomassem corpo, num total aproximado de 60hrs.



Etapa 02:
- farinha integral
- 1 colher de sopa (rasa) de açucar

Criar um levain é como criar um Tamagotchi, se lembram? Ele nasce, vai crescendo, vc vai alimentando de tempos em tempos e se você não tomar cuidado, puf, ele morre!

Na etapa 2, coei as uvas e usei somente a água, foi meio de olho, misturei farinha de trigo integral o suficiente p/ a massa ficar um pouco pastosa... O açúcar coloquei p/ dar uma acelerada nos bichinhos, depois de tantos dias, estava com medo de perde-los!

Aí a mistura ficou assim, 'bem bonita' e passou a morar dentro do meu forno elétrico (desligado, claro):



Etapa 03:
- farinha de trigo branca
- água

Devido ao calor absurdo, tive que alimentar meu fermento 2x ao dia, em intervalos de 12 horas. As quantidades foram intuitivas, mas, aproximadamente 3x mais farinha que água, o suficiente para a massa se manter pastosa, sem ser molenga... em media 3 colheres de farinha de trigo.

Etapa 04 (estragos do calor):
Quanto mais calor, mais metabolismo... quando abri o forninho quase fiquei bêbada com o cheiro de álcool! PERIGO!!!

Cheirar azedo, é natural e ótimo neste caso, mas, álcool, vem da fermentação alcoólica, ou seja, os fungos já consumiram todo o açúcar presente na mistura e começaram a morrer... Embaixo da camada viscosa se formou uma camada de uns 3cm de água... O que fazer?

Escorri toda a água em excesso e “taquei farinha no bicho”. Passei a alimentá-lo 3x por dia e em uns 3 dias o cheiro de álcool cessou, ele tomou forma novamente e voltou a crescer. UFA!

Etapa 05:
Já com essa carinha o lance era fortificar e aumentar. O calor graçasadeus diminuiu e continuei mantendo o pote no forninho, voltei a alimentar 2x por dia, seguindo a quantidade do “não ficar molenga”.

Etapa 06 (viagem):
Semana de ano novo, fui para praia encontrar meus pais, não tive duvidas, coloquei o tamagotchi num pote de sorvete, tampei e levei o fungo p/ curtir a maresia do verão.

Na praia, o mesmo procedimento, porém, com cerca de 15 dias, temperaturas mais amenas e o bichinho mais forte, diminui a alimentação para 1x ao dia, de noite, para mim mais conveniente.

RESUMO
- Água base: deixar uvas passas de molho até criarem bolhas (2 à 3 dias)
- 1ª alimentação: farinha de trigo integral, um pouco de açúcar – até ficar pastoso
- Alimentações seguintes: farinha branca e água (3 para 1) ou mais ou menos isso, duas vezes ao dia
- Uma semana depois: manter a alimentação porém, uma vez ao dia

Observações importantes:
- muita água no fundo: excesso de calor – escorrer a água, alimentar a massa (talvez somente com farinha) e manter em local fresco (se for necessário, geladeira).
- cheiro de álcool: PERIGO: refrescar e alimentar seu “chef” mais vezes ao dia. (para mim foram suficientes 3x ao dia, mas pode ser que você tenha que fazer isso de 6 em 6hr)
- Armazenamento: o meu gostou muito do forninho elétrico, se você estiver numa região de muito calor e ele fique constantemente querendo deteriorar, o ideal é coloca-lo na geladeira. Quando tiver um tempinho ao longo do dia, alimente-o e deixe em temperatura ambiente por umas 3hr para que ele reaja bem.
- mexa sempre com delicadeza, aqui vale a antiga colher de pau (estamos produzindo em casa, colheres de pau liberadas, certo?!)
- tenha paciência com seu fermento, ele é um ser vivo crescendo “do nada” ali na sua frente, ele precisa de atenção!
- se não der certo na primeira vez, faça que nem eu, jogue fora e comece tudo de novo! A criação do levain é algo muito legal!
- cuide como um filho, atenção e intuição. Ao longo dos dias você pega o macete e percebe quando a massa está com fome!


Sim o post ficou enorme e não termina por aqui!
No próximo a saga das refeições do meu levain e o afamado Bolo da Fortuna!
Por enquanto só uma pausa para vocês criarem seus levain!

Enjoy!

Comments (3)

Oi.
Me deparei com seu blog atravez de uma pesquisa pelo google.
Moro em Londres e esta semana, meu marido, q eh chef, trouxe uma muda de fermento pra casa. Eles a chamam de "Sour Dough" (massa azeda) e me explicou que o inicio consiste em uma maça verde ralada, agua e farinha branca. Alimentar com farinha conforme a necessidade. Ele usou para fazer massa de pizza e grissinis. Achei um pouco adocicada pois para cada kilo de farinha ele nao poderia colocar mais de 20gr de sal pois mataria o fermento.
Espero q tenha ajudado.
Abraço
EMILY

Oi Emily desculpe a demora para lhe responder, nesta data eu estava em Lua de mel! Eu já vi sobre o levain iniciado com maça verde, mas nunca tentei... Aqui, tem feito um calor absurdo, já tive experiencias de iniciar o fermento com este calor e é um pouco desesperador, ele se alimenta muito rapido, cresce demais e morre por qualquer descuido (os processos ficam agilizados ao extremo). Vou esperar a temperatura cair um pouco e reiniciar outro levain, sempre fiz com uvas passa, mas vou tentar com sua dica, obrigada! :*

Onde está a massa do bolo?

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