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Uma semana chilena

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Algumas pessoas ficaram na expectativa do meu post sobre a gastronomia chilena, sobretudo porque sabem que eu e o Di fazemos incursões a fundo na cultura local e a parte da “comilança”, não poderia ficar de fora, claro, pois, se refletirmos calculadamente sobre isso, perceberemos que a característica da comida de um povo traz em si tudo o que ele foi e viveu no passado, seja uma colonização ou uma guerra.

Sem medo de ser feliz (ou não lida) e encorajada pelo curso que fiz “Comer e escrever”, aqui vai um relato desde nossa chegada ao Chile, fugindo um pouquinho do tema as vezes, mas sempre pensando em lhes trazer linhas de saborosa leitura.

1º dia: Embarcamos cedinho de Guarulhos e depois de uma quase intragável comida de avião, descemos em solo chileno com uma hora de fuso horário ganha. Depois de trocar dinheiro, negociar o táxi (barato), fomos nos instalar no hotel. Depois de instalados, começou nossa saga pelas delicias chilenas.
Logo de cara achamos uma rede de fast food que só vendia cachorros quentes, e percebemos que o tal lanche é preferência nacional. Existem varias redes diferentes que competem igualmente com o Sr. Ronald neste quesito. Tem basicamente cachorro quente de tudo e com tudo, claro, bem diferentes dos “dogões prensados” que encontramos aqui no Brasil, mas vou dizer, bem mais gostosos. Posso destacar algumas peculiaridades: os tamanhos que vão do ‘normal’ ao enorme, os 06 tipos de molho oferecidos à vontade e a palta, vulgo, abacate. Isto mesmo, você não leu errado, é abacate mesmo, feito em pasta de forma natural (sem temperos). E como eles gostam de abacate... em poucos minutos na rede Doggis o que mais vimos foram cachorros quente saindo, recheados desta pasta verdinha e muito estranha ao nosso olhar.
Como era nosso primeiro dia, não quisemos arriscar (até porque não sou muito fã da fruta) e pedimos lanches pequeno e médio, da forma classica: maionese,salsicha, um tipo de batata palha, bacon e os tais molhinhos para completar. Para você que como nós viaja para conhecer lugares de “nativos” e não somente os caros restaurantes de turista, recomendo, vá ao Doggis e divirta-se com combos que giram em torno de R$ 12,00.

A noite, meio sem rumo e mal guiados pelo Google maps, fomos parar num recatado café, numa esquina ao centro de Santiago. O cardápio pouco extenso oferecia lanches comuns, mas em pão estilo ciabata por cerca de R$ 10,00 cada. O Café de las Artes não era assim um local tão bonito e atrativo quanto os que nos cercavam, mas o cardápio estava mais de acordo com nossa pouca fome. Mas, la vieram dois lanches extravagantes, num pão delicioso. O meu, com generosos cubos de frango e ambos com fatias inacreditaveis de champignon paris fresco.



2º dia: Depois de um café da manhã bem “mais ou menos”, sem opções de frutas, um tipo de pão tipico, redondo, meio duro, um tipo de queijo, embutidos estranhos... saimos para conhecer o mercado central e nos deparamos com um enorme mercado de peixe. Peixes exóticos, comuns, mariscos, muitos, enfim, tudo o que provém do mar exalando cheiro de produto “vivo”, fresco, recem pescado. No meio do mercardo um enorme restaurante para turistas ao lado de duas modestas barracas de frutas.
Eu já havia comido a tal da centolla em Ushuaia, mas queria provar a “bichinha” novamente, mas 49mil pesos estava um pouco alem do que gostariamos de gastar. Paramos então na barraca de frutas e descobrimos morangos gigantes e pouca coisa desconhecida para nós hoje em dia, como o “pepino doce” (que tinha gosto daquela parte branca da melancia), a chirimoya alegre (parente proxima da fruta do conde) e a lucuma (uma prima amarela do abacate, com mesmo cheiro de gordura e largamente usada na fabricação de varios tipos de doce).
Gastando todo meu espanhol com o garoto da banca de frutas, ele nos recomendou um restaurante para chilenos, e claro, não sem antes negociar, sentamos para degustar a comemorada centolla por 30mil pesos (cerca de R$ 120,00), acompanhada de 03 guarnições e pisco sour (a caipirinha chilena).
Depois de nos colocarem babador lá veio o caranguejo gigante de aparencia nada amigavel, mas que logo foi destrinchado habilmente pelo garçom que colocou em nossos pratos somente pedaços da tenra e saborosa carne de centolla. Um sabor suave de caranguejo em algumas partes lembrando kani kama, mas de uma textura extremamente gentil ao tocar as papilas gustativas empolgadas e curiosas.
Depois de uma bela refeição economizando uns R$ 70,00 pegamos nossa excursão para Concha y Toro, um lugar lindissimo, mesmo no inverno, onde as vinhas secas e sem exuberancia ainda são um atrativo convidativo à degustação dos vinhos. Após um passeio pela vinicola (e compras nada moderadas de vinagres de uvas especificas), de volta à Santiago já quase na hora do jantar, onde resolvemos conhecer a parrillada chilena.
Para quem já esteve em diferentes regiões da Argentina e conhecendo diversas maneiras de se preparar o mesmo, digo por experiência que a parrilla chilena é muito mais interessante ao nosso paladar: carnes mais macias e diversas, porém sem beirar a esquisitisse do choripan. Aproveitei e provei uma cerveja local e super famosa, a Escudo. Não sou grande apreciadora de cerveja clara, mas aquela era leve e suave como um bom chopp.



3º dia, domingo: Ida as cidades de Valparaiso e Viña del Mar. Ambas as cidades tem seu encanto, Valparaiso uma carga mais historica e a população judiada pela decadencia da mesma depois da abertura do Canal do Panamá, já que grandes cargueiros já não precisam mais passar por lá para chegar ao Pacifico. Vinã del Mar é mais moderna e badalada, mas compartilha do mesmo mar gelado que banha toda costa do Chile. Como estavamos em excursão ficamos “engessados” em almoçar em um restaurante especifico, o Delicias del Mar. Eu optei por uma sopa creme de mariscos de entrada, que estava deliciosa, eu e o Di optamos pelo mesmo peixe de prato principal, não me recordo o nome do peixe, mas estava bem saboroso sob um creme branco com aspargos. Os sucos (extremamente adoçados, tradição no Chile) e as sobremesas deixaram bastante a desejar.
Diferentemente da frenetica São Paulo, Santiago se resguarda aos domimgos, então para jantar tivemos que apelar para o bom e velho shopping, que fica sempre aberto até as 22hr. Aí não teve jeito, só os fast foods familiares, e outros meio duvidosos, então fomos de Pizza Hut e Taco Bell, sem novidades.



4º dia, segunda: Para mim, um dos dias mais esperados, dia de verdadeiramente conhecer neve! Eu já havia tido contato com neve em Ushuaia (a cidade mais austral do mundo), no mes de janeiro, mas não era uma profusão de neve, afinal, era verão! Mas agora era diferente, era muita neve e era inverno!
Depois de uma subida muito peculiar na serra do Valle Nevado, onde pacotes de salgadinho abriam sozinhos numa pequena explosão como rolhas de champagne devido a ausencia de pressão atmosferica chegamos ao local onde eu (e muitas outras pessoas) voltaram a ser crianças, “bem alí”, a mais de 3mil metros de altura.
Depois de andar, cair, deitar, fazer guerra de neve foi hora de uma pequena pausa para o almoço em um restaurante bonitinho, mas extremamente mal preparado para receber tantos turistas na estancia Mirador de Farellones. Após ler e reler o cardápio e muita insistencia para fazer o pedido fomos nos deparando com as frases “nao temos mais / acabou...”, hum... “então o que vocês tem?”; “pizza”.
Pois é... pizza para almoço... não nos empolgamos nem um pouco, especialmente depois de ver perto do hotel umas pizzarias bem duvidosas. Escolhemos sabores neutros, tal como mussarela e a outra metade com tomate seco e qual não foi nossa surpresa? Uma pizza de massa fininha e crocante mas que lembrava uma bolachinha de agua e sal, bem recheada, enfim, deliciosa.
A noite perguntamos ao nosso guia onde comer comida “tipicamente tipica” e ele indicou, ali pertinho de onde estávamos, na rua dos bons tragos, logo atrás do famoso Patio Bellavista. Mas como era mesmo o nome do restaurante que o Ismael havia indicado? Eu e o Di sabiamos que iriamos reconhecer assim que vissemos o nome, e não deu outra, numa esquina, com uma fachada menos clara que as demais o simpatico Galindo. Mais simpatico foi o garçom que nos atendeu (que sim, nem imaginou que eu era brasileira e veio questionar minha “fluencia” no espanhol) e logo recomendou o famoso pastel de choclo (para o Di) e os porotos con longaniza, que sobrou para mim, já que o Di destesta feijão.
O pastel de choclo é muito semelhante ao nosso escondidinho, porém a massa é bem mais liquida e claro, feita de milho puro, chegando a ser um pouco doce. Sob esta massa uma mistura de carnes desfiadas (frango, boi, presunto, etc) com uvas passa, azeitonas, etc. Muito gostoso e muito tipico



5º dia, terça: Foi dia de andar, subir, andar, subir, andar, subir e andar, andar e andar... isto porque fomos desvendar o centro de Santiago e isso incluia subir no ingrime Cerro Santa Lucia; uma colina cheia de historia, belezas e surpresas. Após subir muitos “pares de escaleras” foi hora de descer e caminhar por todo “casco antiguo”, com seus predios historicos, sua biblioteca sobrevivente ao terremoto, a casa da moeda ou palacio do governo, etc.
Aliás, o Chile, ou o que conhecemos dele, está quase que completamente recuperado do terremoto, um ou outro prédio historico ainda está fechado para reforma, como alguns museus, mas no geral, quase não se vê rastro daquele terror.
Neste dia perdemos a hora, mas nos deixamos guiar por nossas pesquisas e fomos para a auto intitulada “melhor sorveteria da america do sul”, o Emporio la Rosa.
Uma esquina pequena, simpatica e acolhedora que logo de cara lhe oferece sabores inusitados de sorvete, empanadas quentinhas e chocolate quente de tamanho “GG” (eu jamais poderia esperar uma xícara tão grande!). Pedimos a empanada mais tipica, a “pino”, ou seja, recheio de carne bem moida e temperada com bastante cebola, bem refogada, que quase se desmancha.
O chocolate quente e as empanadas estavam muito bons, mas o cappuccino do Di, estava “ok”, com crema (ou espuma de leite), mas meio sem sabor. Aliás, uma coisa interessante no Chile é o consumo do Nescafé, sim, nescafé, descrito assim, não somente um café soluvel mas o tal nescafé, que disputa igualmente com o espresso um cantinho do cardapio e até nas barraquinhas de cachorro quente espalhadas pelas ruas.
Depois da parte quente, tivemos que experimentar os sorvetes, arriscamos os sabores: chocolate com manjericão (já estavamos acostumados com essa mistura, inclusive um dos meus docinhos mais comemorados é o de manjericão), mel de lumo (uma flor tipica), framboesa com pimenta e lucuma, uma fruta tipica, que por exceção da cor lembra muito o nosso abacate (mas as que compramos in natura estavam terrivelmente verdes e impossiveis de comer).
O sorvete realmente é maravilhoso, mas no meu quesito sorveteria (e olha que conheço muitas, muitas mesmo) ainda perde para a Sumo, uma portinha recheada de delicias inusitadas como o super dulce de leche, localizada proximo ao bairro de San Telmo em Buenos Aires.
De noite, tivemos que repetir a experiencia “Galindo”,mas dessa vez só pedi uma cerveja escura, envelhecida e eu e o Di compartilhamos uma porção de fritas molengas (acho que é o tipo de batatas que eles usam) com uns cubos de carne... enfim, uma porção estranha.



6º dia, quarta: fomos andar no bairro de Providência, um bairro lindo, arborizado e com cara de primeiro mundo. Na hora do almoço paramos numa região cheia de restaurantes, com mesinhas na calçada, optamos por um de estilo alemão. O Di optou por um bife empanado e recheado de queijo e presunto acompanhado de pure de batatas, ou, “milanesa de lomo con pure de papas” ou ainda “escalopa” ou “kaiser”, como é mais conhecido no Chile. Eu, há dias estava tentando comer o tal do “lomo a lo pobre” que vi em inumeros cardapios ao longo da nossa viagem e até tal momento ainda não tinha conseguido, então, não tive duvidas, essa foi a minha opção, acompanhado pela cerveja alemã Schofferhofer sabor pomelo ou grapefruit para quem preferir.
O prato do Di estava super saboroso e eu finalmente descobri o que era o lomo a lo pobre: um bife bem feito, acompanhado de batatas fritas (moles, como ja mencionei, acho que está diretamente a qualidade da batata que eles tem por lá), cebola refogada e 02 ovos com gema mole. Quem me conhece sabe que eu a-do-ro batatas fritas molhadinhas na gema mole do ovo (coincidencia ou não, estou comendo isto neste exato momento). Então, não é necessário dizer que eu adorei o lomo a lo pobre! Mas é necessário dizer sobre as 3 bisnagas de temperos que são recorrentes em todos os restaurantes, bares, barraquinhas de cachorro quente: amarelo = mostarda, vermelho = ají (pimenta), verde (sim, verde) = catchup. Nós ja tinhamos descoberto isso, mas esqueci... e enchi minhas batatas com pimenta... :o(
A noite, para comemorarmos mais um mes juntos, eu e o Di fomos enfim jantar no Patio Bellavista, no Mosai Cafe: lugar descontraido, de um cardapio impecavel, de ambiente agradavel e preços um pouco caros, mas ainda sim, justos, do tipo de lugar que falta em São Paulo. De entrada uma porção bem diversificada, que continha até champignons frescos empanados, o Di, resolveu desvendar o lomo a lo pobre e eu, pedi congrio, empanado com amendoim acompanhado de legumes, salada e uma cestinha de massa com molho branco com champignon (alias, eles adoram champignon fresco), milho e presunto. Tambem pedi um drink maravilhoso de pisco, enfim, um jantar sofisticado, preço justo e pratos realmente deliciosos.



7º dia, quinta: Foi dia das ultimas compras, arrumação de malas, visita a casa de Neruda e ao Cerro San Cristobal (lugar de magia indescritivel) e, dia de encarar finalmente um lanche com “palta”. Paramos numa lanchonete (Fresia sangucheria) e criei coragem, pedi logo um hamburguer com a tal pasta de abacate que os chilenos tanto gostam.
Foi um hamburguer tradicional, ou quase, pois para começar, o pão que eles utilizam é o mesmo do café da manhã, dos antepastos, etc, meio cascudinho, com marquinhas de garfo, massudos e “pesados”. E a grande diferença estava na pasta do abacate, sem tempero algum, por isso enfatizo, uma pasta de abacate, bem diferente de dizer uma guacamole. Confesso, bem gostoso, especialmente para quem esta aberto a descobrir sabores inusitados, porém, não sei se pelo tamanho do lanche, no fim, me senti, digamos, “empapuçada” pela gordura natural do abacate.
No jantar, mais uma noite no Galindo, onde estavamos prestes a deixar o melhor garçon e a "mejor cena". Deste jantar destaco a sobremesa... fazia dias estava vendo em mercados um tal de "papaya", mas não achava a fruta in natura, somente em conserva e em forma de suco em pó. O desenho da embalagem do suco ou a conserva nada lembram o nosso papaya, então, pedi de sobremesa do jantar, o tal do papaya con crema. O papaya é uma fruta tipica de lá, que não sei explicar bem o que é, mas é como se fosse um pessego (no caso, em calda) mas com um sabor mais para o damasco, porém o formato... tem mais a ver com um pimentão, ele é oco e esquisito, mas bem gostoso e a tal da crema, um simples creme de leite.



Em resumo (e desculpe pelo longo post e obrigada a quem leu), o Chile, em termos gastronomicos, é um pais que consegue misturar a tradição com o moderno, o mar com a terra, o conhecido com o desconhecido, mas tudo com muito sabor, abacate e ají.